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A possível omissão de socorro e o “efeito espectador” – caso Boechat

Recentemente fomos surpreendidos com a triste notícia acerca do acidente envolvendo o jornalista (Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quattrucci) em uma rodovia do Estado de São Paulo.

Além da natural comoção decorrente das mortes, notadamente da forma como ocorreram, causou admiração um vídeo divulgado nas redes sociais em que uma mulher, uma desconhecida,  chamada (Leiliane Rafael da Silva) tentou desesperadamente salvar o motorista do caminhão envolvido no acidente enquanto algumas pessoas se limitaram, ao menos num primeiro momento, a filmar o que estava ocorrendo, se omitindo de certo modo de auxiliar no socorro do motorista.

A questão que iremos abordar refere-se às pessoas que estavam no local e que, ao que parece, nada fizeram para ajudar; teriam em tese cometido o crime de omissão de socorro previsto no artigo 135 do Código Penal? Estavam sob o denominado: “efeito espectador”?

Não é possível avaliar com precisão a conduta de quaisquer das pessoas envolvidas sem que se tenha acesso aos documentos e versões que provavelmente constarão do inquérito instaurado para apurar as causas do acidente.

No entanto, não nos furtaremos em analisar o caso sob a ótica do direito penal, no tocante ao crime de (omissão de socorro previsto no artigo, 135 do Código Penal); não sendo objeto de análise a conduta moral e ética de todos os presentes na situação.

Pois bem, o artigo dispõe, grosso modo, como previsto no artigo 135 do Código Penal, ‘que é crime deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à pessoa inválida ou ferida ou em grave e iminente perigo ou mesmo não pedir socorro à autoridade pública.’

Vamos nos concentrar apenas no que ocorreu com o motorista do caminhão. Ele, muito provavelmente estava ferido; se não sofreu lesões ao menos estava em grave e iminente perigo, haja vista o risco de explosão decorrente do vazamento de combustível.

Diante desta situação todos os que estavam ao redor deveriam, em tese, tentar ajudá-lo sob pena de estarem cometendo uma infração.

Ocorre que provavelmente, acaso os fatos viessem a ser investigados sob este ponto de vista, da omissão, concluir-se-ia que não cometeram qualquer delito, por mais reprovável e sinistra que tenha sido a conduta de terem se limitado a filmar o acidente, não prestando socorro ao motorista, ajudando a Srta. Leiliane.

Fazemos esta afirmação por alguns motivos. É fato, ao menos para nós, que havia o risco de ocorrer uma explosão, haja vista o vazamento de combustível; ademais o helicóptero estava em chamas no mesmo local.

Estes fatos já seriam suficientes, acreditamos, para que em uma eventual ação penal,  os pretensos acusados viessem a ser absolvidos.

Esta conclusão emerge da redação do tipo previsto no artigo 135, o qual dispõe que comete crime aquele que deixa de prestar socorro quando possível fazê-lo sem risco pessoal.

Contudo não é só. O motorista estava sendo socorrido pela mulher que apareceu no vídeo – Leiliane. Este fato também é capaz, a nosso ver, de afastar a responsabilidade daqueles que estavam no local e permaneceram inertes, posto que o motorista estava sendo socorrido, embora por uma pessoa que não possua os conhecimentos necessários para tanto, o que não diminui a importância do seu ato.

Por outro lado, e não menos importante é o fato de a autoridade pública mencionada na lei já ter sido acionada, suponhamos, quando da realização das gravações, notadamente pelo fato de o acidente ter sido filmado pelas câmeras da rodovia.

Ora, levando em consideração todos estes fatos, quais sejam, risco pessoal, prestação de socorro por um dos presentes e provável acionamento da autoridade podemos concluir que os espectadores não cometeram o crime de omissão de socorro.

Voltamos a afirmar. Ainda que a atitude daqueles homens tenha sido reprovável para a maioria dos que assistiram à gravação, o fato é que não se poderia exigir deles, tampouco da mulher, qualquer ato tendente a salvar o motorista em detrimento de si.

No máximo eles poderiam ter alguma obrigação moral ou mesmo religiosa, na concepção de alguns, mas não jurídica. Não se poderia exigir deles qualquer ato heroico com o objetivo, frisa-se, de salvar o motorista.

Ainda, poderiam os espectadores alegar a inexigibilidade de conduta diversa para o fim de se colocarem a salvo de qualquer punição ou mesmo eventual estado de necessidade, pois não é lícito exigir o sacrifício de qualquer pessoa – integridade corporal e vida – para o salvamento de outrem.

Diferente é o caso das autoridades. Estas, acionadas para o atendimento da ocorrência, tem a obrigação de prestar socorro, embora esta obrigatoriedade também contenha, de certo modo, algumas ressalvas que não cabe aqui a análise.

Para finalizar há o denominado “efeito espectador” indicado no título deste artigo.

Resumidamente, trata-se daquela situação em que diante de um problema ou acidente que mereça intervenção os espectadores não agem, pois esperam a atuação do outro e assim sucessivamente, ou seja, ninguém toma a iniciativa ou assume a responsabilidade de ajudar.

Em se tratando do direito penal, a conduta de cada indivíduo é tratada de maneira individual, ou seja, a culpa é individualizada. O que acontece é que, em certas situações, como a que analisamos aqui, fica muito difícil analisar, de maneira individual, a culpa de cada indivíduo. Assim, não caberia culpa a nenhum individuo em situação análogas.

Este efeito pode ter ocorrido com os homens que estavam presentes no momento ou logo após a ocorrência do acidente envolvendo o Boechat, o piloto e o motorista.

As causas deste efeito variam, mas dentre elas está a questão relativa à diluição da responsabilidade, pois quanto mais pessoas há em volta do acidentado menor é a responsabilidade, em tese, daquele que assiste, pois na mente dele “alguém fará alguma coisa”, como chamar a polícia ou os bombeiros, por exemplo.

Estas foram algumas poucas considerações a respeito do caso feitas com o único objetivo de ajudar na reflexão, indicando alguns pontos de vista na esfera do direito criminal. Esperamos ter colaborado com o debate.

André Pereira