Post: Da (des)necessidade do exame de corpo de delito na Lei Maria da Penha

Da (des)necessidade do exame de corpo de delito na Lei Maria da Penha

Tento, na medida do possível, escrever acerca de casos reais; o farei hoje, novamente – e a pedido de um colega, o qual inclusive me chamou para trocar ideias acerca de um processo em que atua.

Ele foi contratado para defender um cliente que está sendo acusado de ter agredido fisicamente a namorada, além de tê-la injuriado.

Obteve a absolvição em se tratando da injúria, haja vista que não havia testemunhas que pudessem comprovar as ofensas.

Contudo seu cliente foi condenado pelo delito previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal, posto que a vítima sofreu algumas escoriações no braço ao tentar descer do veículo em que estavam quando da discussão.

O problema, segundo meu colega, é que não foi juntado aos autos o exame de corpo de delito hábil a comprovar as lesões, mas apenas um exame médico fornecido pelo profissional de saúde que atendeu a vítima.

De acordo com a fundamentação da sentença referido exame seria suficiente para comprovar a materialidade do crime, haja vista o disposto no artigo 12, § 3º, da Lei Maria da Penha.

Pois bem, ao ser indagado sobre o acerto da decisão expus, com o devido respeito ao juiz que a proferiu, que o fundamento a meu ver estava equivocado, explico.

O artigo 12 acima indicado dispõe em seu caput, grosso modo, que nos casos de violência doméstica a autoridade adotará algumas providências, sem prejuízo daquelas previstas no Código de Processo Penal (CPP).

Dentre os procedimentos enumerados deverá tomar por termo o requerimento da ofendida para que lhe sejam deferidas, pelo Juízo, medidas protetivas.

Pois bem, ao encaminhar a solicitação ao Juízo deverá o delegado instruí-la com o boletim de ocorrência, bem como com os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais ou postos de saúde; vide §§ 2º e 3º do aludido artigo 12.

Aonde se quer chegar? É preciso deixar claro que o parágrafo terceiro, o qual faz menção aos laudos e prontuários, foi inserido – lógico, abaixo do primeiro, que faz alusão ao requerimento para a concessão das medidas protetivas, e do segundo, que diz respeito à juntada do boletim de ocorrência.

Isso implica dizer que os laudos e prontuários servem apenas para subsidiar o requerimento da vítima (§ 1º), haja vista que esta não poderia esperar a confecção do exame de corpo de delito para, somente após, ver apreciado o pedido para a concessão das medidas.

E o exame de corpo de delito, é dispensável? Depende. Para o envio do requerimento da ofendida e para a concessão das medidas protetivas de urgência não; para a condenação a título de lesões corporais sim, senão vejamos.

Analisando-se o teor do inciso II, artigo 11, constata-se que o delegado deverá encaminhar a ofendida ao hospital e, frisa-se, e ao Instituto Médico Legal (IML), notadamente para que seja realizado referido exame.

No caso a ofendida não se dirigiu ao IML, embora constasse dos autos o encaminhamento feito pelo delegado.

Ocorre que apesar da ausência do laudo o réu foi condenado por lesões corporais, pois para o Juízo o exame médico era suficiente à comprovação das lesões.

Ora, como exposto alhures o artigo 12 da Lei Maria da Penha é claro ao dispor que devem ser aplicadas as regras constantes do CPP; este, em seu artigo 158, prescreve que:

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Assim, em se tratando da acusação de lesões é intuitivo que deveria ter sido confeccionado o laudo, pois somente ele tem o condão de provar a materialidade das infrações que deixam vestígios – em regra.

Como o laudo não foi produzido a materialidade não foi comprovada, o que deveria ter dado ensejo à absolvição.

Alguns podem alegar que o exame pode ser suprido caso os vestígios tenham desaparecido (artigo 167 do CPP); não era o caso.

É preciso repisar que este artigo refere-se ao desaparecimento dos vestígios. No entanto e como narrado acima, apesar do encaminhamento feito pela autoridade policial a vítima não compareceu ao IML.

Isto equivale a dizer que a suposta desídia da vítima colaborou para a condenação do réu, pois ela não se submeteu a um exame que a lei reputa indispensável à comprovação da materialidade, mesmo podendo fazê-lo.

Acredito que o réu foi condenado, com a devida vênia, em decorrência de uma interpretação forçada do disposto no artigo 12, § 3º, da Lei Maria da Penha, como se o caput deste artigo, o qual faz referência expressa ao CPP, inexistisse.

Enfim, expus estes argumentos ao meu colega, o qual interpôs apelação.

No entanto, ao pesquisar alguns julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do assunto, notadamente para saber se ele obterá êxito, bem como do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pude constatar que o entendimento do magistrado está sendo largamente utilizado; estou sendo voto vencido como se diz.

Dito isso acredito que as chances de ele obter a absolvição diminuíram, embora não sejam nulas. Aguardarei os desdobramentos.

Advocacia ANDRÉ PEREIRA

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