Recentemente tivemos notícia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu policiais que haviam sido denunciados pela suposta prática de tortura.
Chamou à atenção – e causou revolta em alguns – os títulos atribuídos às matérias, as quais destacaram que, para referido Tribunal, a agressão de policiais sem o objetivo de obter confissão não configuraria crime.
Nas redes sociais também houve um certo alvoroço, haja vista que diversas pessoas opinaram acerca do assunto, bem como compartilharam as matérias a que se fez menção. Por óbvio havia opiniões contrárias ao resultado do julgamento, com diversas críticas, muitas infundadas; outras, por sua vez, exaltavam a atitude dos policiais envolvidos. Alguns chegaram a afirmar que os fins – elucidação do crime – justificavam os meios – emprego da suposta violência.
O caso despertou interesse e resolvi ler o acórdão na íntegra para saber o que efetivamente ocorreu.
De antemão as manchetes dos jornais estavam relativamente certas, embora tenham generalizado a questão dando a entender, ao menos para os leigos, que os policiais passaram a ter carta branca para agredir quem quer que seja, o que não é verdade.
Pois bem, de acordo com os autos, e tenho por base o relatório do acórdão, policiais detiveram um casal que supostamente cedeu um cômodo do seu imóvel para servir de cativeiro à vítima de um crime de extorsão mediante sequestro. Marido e mulher foram levados à delegacia para serem ouvidos acerca da eventual participação na infração.
Esta condução, que não havia sido autorizada judicialmente, tampouco estava amparada numa das hipóteses previstas no artigo 302 do CPP, foi reconhecida pelos desembargadores como ilegal, notadamente por se tratar de uma típica detenção para averiguação. Contudo a discussão não era esta. O objetivo era saber se, no distrito policial ou mesmo no local utilizado para o cárcere aquele casal foi submetido à tortura, aliás como afirmado pelo Ministério Público. De antemão respondo que ao ver dos desembargadores não.
É fora de dúvidas que a detenção e a consequente condução ao distrito policial foi arbitrária. Ficou comprovado que foi aplicado nas celas em que as vítimas estavam gás pimenta. A pressão psicológica exercida sobre ambas – que abalou levemente um dos investigados conforme atestou o perito, também não foi suficiente para que fosse reconhecida a prática do crime.
É que ao ver dos desembargadores a materialidade da infração não ficou comprovada, haja vista que após a realização dos exames de corpo de delito não foram constatadas lesões corporais nas supostas vítimas.
Uma delas, no entanto, sofreu um leve comprometimento do ponto de vista psiquiátrico, mas que pode ter decorrido da situação em si – detenção ilegal – não do fato de ter sido quiçá torturada.
É preciso frisar que para um dos desembargadores, Dr. Antônio Carlos Malheiros, restou a triste impressão de que a tortura realmente ocorreu, inobstante também tenha afirmado que a mera impressão ou mesmo indícios da ocorrência do crime seriam insuficientes para condenar alguém, com o que se deve concordar.
Ademais, de acordo com a declaração de voto vencedor a tortura, para que ocorra, deve ser contínua e desenvolver-se por um período de tempo extenso, além de ter uma intensidade profunda.
Este entendimento, aliás, também foi esboçado pelo ilustre doutrinador Guilherme Nucci numa de suas obras; para ele somente a submissão de alguém a sofrimento atroz, contínuo e ilícito daria ensejo ao reconhecimento daquela infração.
De fato a detenção das vítimas durou pouco tempo; as lesões físicas não foram observadas – a que foi – um hematoma no olho de uma delas, não teria relação com o ocorrido, ao passo que o transtorno psíquico leve foi atribuído a outro fator.
Enfim e de acordo com as provas carreadas aos autos não houve tortura, motivo pelo qual os réus foram absolvidos com fundamento na inexistência de prova suficiente para a condenação (artigo 386, VII, do CPP).
Para não me furtar, e deixando claro que sou contra qualquer tipo de violência, principalmente policial, entendo que os desembargadores decidiram bem, notadamente por que não se pode condenar alguém com base em achismos, ainda que se presuma o cometimento de uma infração, aliás como ressaltado pelo Dr. Malheiros. Ocorre que referida infração, como retratada no processo, não se encaixa nas disposições do artigo 1º da Lei nº 9.455/97, que trata da tortura.
Por fim, e como relatado nos autos, também entendo que teria ocorrido o crime de abuso de autoridade, regido pela Lei nº 4.898/65. Ocorre que quando do julgamento referido crime estava prescrito, motivo pelo qual sequer se poderia cogitar da aplicação do disposto no artigo 383 do CPP.
Em suma, analisando os autos pude depreender, respeitando opiniões divergentes, que foi feita Justiça. Se a produção de provas foi deficiente ou a instrução deixou de ser bem realizada, o que duvido, isto jamais poderia dar ensejo à condenação de qualquer pessoa.
Também não se pode afirmar, como li logo após a publicação da notícia, que os julgadores favoreceram os policiais, um deles atualmente deputado estadual. Referidos comentários não possuem fundamento, ao menos nas provas – ou ausência delas, encartadas aos autos.
Sempre rogo a que os julgamentos sejam feitos com base nas provas, desconsiderando a pressão popular; a meu ver, no caso em tela, foi o que ocorreu, ainda que muitos discordem. Desse modo não a que ser feita censura ao entendimento do Tribunal; é como penso, embora – reitero – respeite as opiniões contrárias.
A íntegra do acórdão está disponível nos autos do processo nº 0009789-04.2015.8.26.0000.
Advocacia André Pereira