O indiciamento é um instituto importante, porém pouco conhecido. Arrisco-me a dizer que nós, operadores do direito, temos poucas noções a respeito das suas peculiaridades.
O próprio legislador, ao que parece, desconhece as minúcias que lhe são inerentes, haja vista que em mais de uma oportunidade empregou uma terminologia inadequada ao se referir à pessoa sobre a qual paira a suspeita de ter cometido uma infração penal. O artigo 6º, V, do Código de Processo Penal, é um bom exemplo.
De acordo com referido Código, ao tomar conhecimento da prática da infração deve o delegado de polícia adotar algumas providências com o intuito de esclarecer a autoria.
Dentre elas deverá comparecer ao local dos fatos, colher provas e ouvir o “indiciado”.
Ocorre que ao tomar conhecimento da infração ele normalmente não sabe, excetuando-se os casos de flagrante delito, quem é o autor, motivo pelo qual, ao menos num primeiro momento, é equivocado falar-se em “indiciado”. Há, quando muito, mero “suspeito”, quiçá “investigado”.
Somente com a realização de diligências ele poderá formar sua convicção acerca do verdadeiro autor da infração.
Assim, quando o delegado tiver certeza a respeito da autoria deverá, de forma fundamentada, proceder ao indiciamento do até então investigado.
O indiciamento, desse modo, nada mais é do que a atribuição, pela autoridade policial a alguém, de forma fundamentada, da prática do crime, ocasião em que também fará menção às provas obtidas e demais circunstâncias que dizem respeito ao fato.
É preciso ressaltar que em se tratando de prisão em flagrante o próprio auto equivale ao indiciamento, pois se há motivos para o delegado ratificar a voz de prisão dada pelo condutor com muito mais razão haveria motivos para realizar aquele ato.
É por isso que afirmei haver um equívoco no Código de Processo, pois logo no artigo 6º o legislador empregou a palavra indiciado, quando o correto seria, a meu ver, suspeito ou investigado.
Está-se a fazer esta afirmação, pois na maioria das vezes, ao tomar conhecimento da prática da infração, não mediante flagrante, o delegado não dispõe de elementos suficientes, tampouco convicção para, de forma motivada, apontar o responsável pelo cometimento do crime.
Pode haver, nesse momento, a indicação de quem porventura o cometeu, mas não aquela certeza exigida para que se proceda ao indiciamento e se qualifique alguém como indiciado.
Outra questão importante, mas que invariavelmente é relegada, diz respeito à comunicação ao investigado a respeito da realização do indiciamento.
Normalmente este recebe um telefonema ou mesmo a visita de um policial cujo objetivo é, por assim dizer, intimá-lo a comparecer à delegacia. Ele acata a ordem, comparece, mas por vezes é surpreendido ao ouvir que será indiciado pela prática da infração; é intuitivo que isto não é permitido, embora ocorra com frequência.
Deve-se esclarecer que se o indivíduo for convidado, por exemplo, a prestar declarações, ele ainda figura como investigado. Contudo, se a intimação for para a realização do interrogatório, acompanhado da qualificação e da identificação, estar-se-á diante de atos típicos de indiciamento.
A comunicação prévia acerca daquele ato é de suma importância, pois ao indiciado são assegurados direitos não reconhecidos àquele que simplesmente presta declarações acerca do fato investigado, como o direito ao silêncio.
Assim, sabendo de antemão que será indiciado poderá o investigado silenciar a respeito de fatos que possam lhe prejudicar.
A comunicação também permite que o investigado impetre habeas corpus com o fim de não ser indiciado, oportunidade em que o juiz avaliará se existem motivos suficientes para que se proceda àquele ato.
Outra questão relevante refere-se à competência para a realização do indiciamento. De acordo com a legislação somente a autoridade policial, o delegado de polícia, poderá indiciar; é uma atribuição privativa.
Dessa forma, caso o delegado tenha relatado o inquérito e o remetido ao juiz, não pode este determinar, tampouco o promotor de justiça requerer, o retorno dos autos à delegacia para que aquele realize o indiciamento; esta ordem seria ilegal e daria ensejo à impetração de habeas corpus com ampla possibilidade de êxito conforme vem decidindo o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.
Está-se a chamar a atenção para esta particularidade, pois é relativamente comum ver decisões de recebimento da denúncia em que os magistrados determinam o indiciamento.
Por outro lado, caso o inquérito vier a ser arquivado ou o réu absolvido pode-se propor uma ação tendente a obter o des(indiciamento). Seria uma espécie de pedido tendente a apagar os registros existentes em nome do indivíduo.
Enfim, ainda há muito o que tratar a respeito do indiciamento, como a possibilidade de ser realizado indiretamente, sem a presença do investigado. Também há a questão atinente à possibilidade ou não de se proceder ao indiciamento daquele que cometeu uma infração penal de menor potencial ofensivo.
No entanto acredita-se que o exposto é suficiente gerar debates e chamar a atenção para um assunto que, como exposto no início, é pouco estudado.
Advocacia André Pereira