Este assunto já foi abordado em diversas oportunidades por outros profissionais, os quais, com maestria, teceram considerações acerca dos aspectos jurídicos que lhe são pertinentes.
Entendo, contudo, que apesar de conhecido não é tão divulgado, tampouco debatido como deveria, notadamente pela relevância de que se reveste.
O objetivo deste artigo, o qual também é destinado aos leigos que acompanham a página do escritório, é dar um enfoque mais prático, casual por assim dizer, acerca do que ocorre diariamente com pessoas que são abordadas, por exemplo, nas blitze realizadas por este Brasil.
Pois bem, quando uma pessoa se vê envolvida num crime, na qualidade de autor do fato, tem contra si instaurado um inquérito policial ou mesmo um termo circunstanciado em se tratando das infrações penais de menor potencial ofensivo.
O registro da ocorrência dá ensejo a que o indivíduo seja, grosseiramente falando, fichado no que se denomina Serasa do crime, mais precisamente em São Paulo o Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD). Para tanto basta que seja analisado o artigo 6º, VIII, do Código de Processo Penal.
Uma breve digressão. Referido inciso faz menção ao “indiciado”, mas tecnicamente falando entendo que esta palavra foi empregada de modo equivocado, pois nem todos aqueles que figuram no inquérito como pretensos infratores são indiciados.
No mais, às vezes a autoridade tem conhecimento da infração, mas dúvidas acerca da autoria, motivo pelo qual o indiciamento não se dá de forma instantânea como quer fazer crer, por exemplo, o inciso V do mencionado artigo.
Eu já tratei da questão atinente ao indiciamento noutro escrito; remeto-lhes para lá.
Voltando ao tema. A legislação dispõe grosso modo que a(s) condenação(ões) anterior(es) não será(ao) mencionada(s) na folha de antecedentes, exceto se requisitadas por juiz criminal; vide artigo 748 do CPP.
O artigo 202 da Lei de Execução Penal, a seu turno, menciona que não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, desde que cumprida ou extinta a pena.
Em comum os artigos fazem menção à condenação, de modo que a absolvição, em regra, não deveria mais aparecer no prontuário daquele que cumpriu a reprimenda; na teoria é assim.
Ocorre que ao analisar qualquer processo criminal vocês poderão constatar que a folha de antecedentes sempre está encartada aos autos; nela constam os processos anteriores do réu, ainda que já tenha sido absolvido.
Na folha de antecedentes também constarão informações acerca de inquéritos arquivados, processos extintos pela prescrição, ou seja, casos em que não houve condenação. Os registros sempre estarão lá.
Ao pesquisar sobre o assunto constatei que há diversas decisões no sentido de mandar excluir estas informações do banco de dados. No entanto pelo que notei a maioria dos juízes e tribunais determina a manutenção dos registros, mas com a tarja “sigiloso”.
Particularmente filio-me à corrente que defende a manutenção dos dados, notadamente para que o Estado tenha conhecimento acerca do histórico da pessoa.
Isto não significa, em absoluto, que o juízo possa condenar levando em consideração tais fatos como maus antecedentes, pois reitera-se, não estamos tratando de condenação.
O argumento de que os registros devem ser apagados, pois se foi absolvido é porque não tem culpa, é respeitável. No entanto, reitero, acredito que o Estado deve ter conhecimento de tudo o que já ocorreu com o indivíduo, mas sem que possa se utilizar desta informação para prejudicá-lo.
No mais a manutenção dos registros não implica dizer que o indivíduo terá a pecha de criminoso, haja vista que o juiz criminal, que é quem tem – ou deveria ter acesso aos registros, saberá distinguir que se trata de uma pessoa que em determinado momento da vida se viu investigado, quiçá indiciado, mas que ao final foi absolvido.
O direito à intimidade previsto na Constituição restaria preservado (art.5º, X).
Alguns podem alegar que os registros devem ser apagados, pois podem ser acessados por terceiros não autorizados, bem como por empresas para aferir o passado do potencial empregado.
Penso que estes desvios não podem ser levados em consideração para justificar a exclusão dos registros; deve-se impedir o acesso de pessoas não autorizadas, mas não apagar as informações que são, a meu ver, pertencentes ao Estado.
É preciso frisar que estas considerações relacionam-se à denominada ficha de antecedentes, aquela requisitada pelo juiz para apreciação num processo criminal.
Esta pode veicular informações acerca dos processos relativos ao consultado, ainda que tenha sido absolvido.
Entretanto esta ficha difere da certidão criminal normalmente requerida junto à polícia civil e para fins civis, a chamada certidão de antecedentes. Quando o indivíduo a solicitar verá que não é feita qualquer menção aos processos que porventura tenha respondido, desde que absolvido.
Caso, contudo, tenha sido condenado verá que esta informação constará no registro. Se a pena foi cumprida ou extinta, conforme dispõe o artigo 202 acima indicado, não deveria ser feita qualquer menção; reitero, não deveria.
Mas e se constar? Neste caso o indivíduo deverá, por intermédio de um advogado, requerer sua reabilitação criminal, tal como prevista no artigo 93 do Código Penal. Poderá também impetrar mandado de segurança para requerer a exclusão do registro ou a inserção da tarja sigiloso, como mencionei alhures. Dependendo do juiz ou do tribunal que analisar a questão poderá obter um ou outro provimento.
A pessoa também poderá ser dirigir ao fórum e requerer a certidão de objeto e pé com o intuito de apresentá-la ao IIRGD; é feito um requerimento administrativo para que tornem a informação indisponível, exceto para o juiz criminal.
Já ouvi casos de pessoas que ao se dirigirem aos fóruns obtiveram a informação de que os próprios serventuários remeteriam ofício ao Instituto para que este omitisse as informações constantes dos registros.
Por fim volto à questão das blitze. Os policiais, de posse dos documentos de identificação pessoal dos abordados, têm acesso ao que denominam registro criminal. Desse modo, caso você tenha respondido a algum processo, como se diz, muito provavelmente eles conseguirão saber.
Isto causa enormes dissabores ao indivíduo, pois queira ou não os policiais saberão que esteve envolvido em alguma questão criminal; intuitivamente, com a cultura punitivista que temos hoje, o verão de um modo diferente bem ao estilo “onde há fumaça há fogo”.
É intuitivo que hoje em dia há inúmeros policiais preparados e estudados que sabem distinguir alhos de bugalhos. Contudo existem as laranjas podres assim como na advocacia ou em qualquer outra profissão.
A saída para evitar estes contratempos seria o acesso a tais informações apenas e tão somente pelo juiz criminal, pois não cabe à polícia, entendo, saber se uma pessoa cometeu ou não determinada infração, justamente para que não exista o perigo relativo aos juízos de valor.
Se houve absolvição ou mesmo condenação, mas com o cumprimento ou extinção da pena, inexistem motivos para que qualquer outro profissional, com exceção do juiz e das partes que atuam no processo, saiba acerca do passado de determinada pessoa.
Este assunto é extenso, complexo e controvertido, mas espero ter ao menos chamado a atenção dos leitores para situações recorrentes. Que ao menos eu tenha conseguido lançar dúvidas, pois ao final são elas que movem o mundo, ao menos aprendi assim.
André Pereira