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Criminalistas têm pouca chance de chegar à Suprema Corte dos EUA

Em um país em que a mentalidade “duro contra o crime” (“tough-on-crime”) prevalece, o último ministro com background de advogado de defesa foi Thurgood Marshall, nomeado em outubro de 1967, aposentado em outubro de 1991. Historicamente, promotores têm mais chance de chegar à Suprema Corte. Dos atuais nove ministros da corte, seis foram promotores. Nenhum tem experiência de advogado de defesa.

Consequentemente, a Suprema Corte tem criado jurisprudências que ajudam a acusação, tais como limitando as proteções contra buscas e apreensões ilegais, enfraquecendo o direito constitucional contra a autoincriminação e protegendo policiais e promotores contra responsabilização civil por seus erros.

Por isso, algumas organizações e diversas publicações, entre as quais o Washington Post e os sites Vox e Mother Jones, vêm criticando a escassez de criminalistas nos tribunais superiores e sugerindo que o presidente Joe Biden deveria nomear a juíza Ketanji Brown, mulher negra com background de defensora pública e advogada criminalista, para a Suprema Corte, em substituição ao ministro Stephen Breyer que vai se aposentar.

“Mas essa não será uma tarefa fácil”, afirma o site Mother Jones. Apesar de a Constituição garantir aos réus o direito a um advogado de defesa, o que é um princípio fundamental do sistema de justiça criminal do país, os políticos e comentaristas conservadores-republicanos se empenham em pintar os criminalistas como advogados “tão falidos moralmente como seus clientes”.

Essa tentativa de depreciar criminalistas invade a nomeação de juízes federais e campanhas políticas. Na campanha presidencial de 2016, por exemplo, o então candidato republicano Donald Trump atacou a então candidata democrata Hillary Clinton, por ter defendido, com sucesso, um réu acusado de estuprar uma menina de 12 anos. Os republicanos criaram a frase “Hillary Clinton libertou um estuprador de criança”. Trump apresentou a vítima em uma entrevista coletiva.

Na mesma campanha eleitoral, o Comitê Nacional Republicano patrocinou um anúncio na televisão que atacava o candidato democrata à Vice-Presidência Tim Kaine, por haver defendido dois prisioneiros no corredor da morte. O anúncio dizia: “Antes de ser senador, ele protegeu consistentemente as piores espécies de pessoas”.

Em 2013, o ex-presidente Obama indicou o advogado Debo Adegbile para o cargo de procurador-geral assistente do Departamento de Justiça. Como defensor público, Adegbile havia protocolado um amicus curiae a favor de Mumia Abu-Jamal, jornalista e ex-black panther acusado de matar um policial. Sentenciado à pena de morte em 1982, a pena foi comutada para prisão perpétua em 2011 e a luta para provar a inocência do réu continuou. Os republicanos acusaram Adegbile de representar um “matador de policial”. E a indicação não foi aprovada, porque até mesmo alguns senadores democratas temeram votar a favor da nomeação.

A juíza Jane Kelly entrou na lista do ex-presidente Obama, para substituir o ex-ministro Antonin Scalia em 2016. Mas seu nome foi riscado da lista, depois que o grupo conservador Judicial Crisis Network patrocinou um anúncio na TV, dizendo que “como advogada, ela defendeu a tese de que seu cliente não era uma ameaça à sociedade”. “Esse cliente tinha em sua posse mais de mil arquivos de pornografia infantil e foi condenado mais tarde por molestar e matar uma menina de 11 anos. Jane Kelly não pode ser nomeada para a Suprema Corte.”

Durante seu governo de quatro anos, Trump nomeou 226 juízes federais, a uma proporção de um advogado criminalista (ou defensor público) para cada 10 promotores. O governo do democrata Joe Biden reduziu essa proporção, em seu primeiro ano de governo, para um advogado de defesa para quatro promotores.

O advogado Clark Neily, vice-presidente do Cato Institute (e ligado ao Partido Libertário) disse ao Mother Jones que é importante ter nas cortes juízes que advogaram contra o estado. “Como em qualquer ecossistema, é importante ter um equilíbrio entre os membros que compõem um grupo. É muito mais provável se chegar a uma boa decisão quando se ouve vozes diferentes. Mas oito dos nove ministros que compõem a Suprema Corte já defenderam o governo em algum ponto de suas carreiras.”

Fonte: ConJur