Post: Lei Maria da Penha e legítima defesa – compatibilidade

Lei Maria da Penha e legítima defesa – compatibilidade

Há pouco tempo escrevi um artigo sobre a (des)necessidade do exame de corpo de delito em se tratando dos crimes enquadrados na denominada Lei Maria da Penha.

Hoje abordarei uma questão que de certa forma resvala no que escrevi naquela oportunidade, lembrando que o objetivo é sempre tentar abordar casos reais, mas preservando, por óbvio, a identidade dos meus clientes.

Recentemente fui contratado para defender um suposto agressor, o qual teria batido em sua esposa pelo fato de estar embriagado.

À época foi realizado o exame de corpo de delito e ficou constatado que a vítima havia, de fato, sofrido lesão consistente num corte na boca. Esta também afirmou ao delegado ter sido ameaçada de morte, razão pela qual meu cliente foi denunciado por lesão corporal e ameaça em concurso material.

Pois bem, ouvi as alegações do meu cliente, apresentei resposta à acusação e me preparei para a audiência de instrução.

Naquela ocasião indaguei à vítima como se deram os fatos, bem como se poderia indicar os motivos pelos quais seu marido a agrediu. Aqui faço uma digressão. O objetivo das perguntas era identificar porque meu cliente a agrediu, embora esteja ciente de que nada justifica, em tese, uma agressão física ou moral e de parte a parte, frisa-se.

Ao responder à pergunta a vítima me disse que ao passar de táxi percebeu que o agressor estava num bar com seus amigos, fato que a deixou furiosa. Sem pensar em nada se dirigiu ao meu cliente e o xingou, dentre outros, de vagabundo e irresponsável, sendo agredida em seguida.

Estando satisfeito com a resposta, mas objetivando aclará-la para que não houvesse dúvidas indaguei se ela foi agredida imediatamente após xingar meu cliente na frente dos amigos, ao passo que a resposta foi positiva.

A vítima também afirmou que chegando em casa discutiram bastante e proferiram xingamentos e ameaças recíprocas, razão pela qual fiz referência, acima, à denúncia por concurso material, não formal.

Indo ao ponto e adiantando o resultado. Meu cliente foi absolvido das duas imputações.

Embora o juiz tenha reconhecido a ocorrência da agressão, posto que provada pelo exame de corpo de delito, a desconsiderou, haja vista que meu cliente, ao ser xingado, na frente dos amigos, teve a honra ofendida e imediatamente revidou à agressão; agiu em legítima defesa, portanto.

Alguns podem apontar que a ofensa consistente na injusta agressão decorrente do xingamento deveria ter sido repelida com outro xingamento, se o caso, mas não com a agressão física perpetrada por meu cliente.

Ocorre que o artigo 25 do Código Penal não discrimina o modo pelo qual a agressão poderá ser repelida, mas apenas indica que os meios devem ser usados moderadamente[2].

Também é preciso deixar claro o estado de ânimo das partes no momento em que as agressões ocorreram. Ambos estavam extremamente exaltados, razão pela qual sequer se poderia exigir do meu cliente que racionalmente pensasse em devolver os xingamentos em vez de partir para a imediata agressão.

Ademais o tapa que desferiu sequer pode ser considerado desproporcional à ofensa que lhe foi irrogada; é intuitivo que usou os meios de que dispunha para repelir a agressão. Não cabe falar em excesso na legítima defesa, portanto.

Por outro lado é necessário destacar que meu cliente agiu, acredito, de forma legítima, tanto é que foi absolvido. Faço esta afirmação, pois ficou comprovado que teve a honra arranhada ao ter sido chamado de vagabundo e irresponsável e o que é pior, diante dos seus amigos; este contexto não pode ser desconsiderado.

Desse modo, tendo em vista que a honra merece proteção constitucional (artigo 5º, X)[3] nada mais justo que o suposto agressor a defenda e neste caso seja considerado o ofendido, merecendo absolvição.

Voltando um pouco à questão do revide. Opinei no sentido de que a reação, nas circunstâncias, foi proporcional.

Isto nos leva a questionar se é possível defender a honra mediante violência física. A resposta é positiva.

O artigo 25 menciona grosso modo que a injusta agressão a direito pode ser repelida.

Percebe-se que não é feita qualquer diferenciação entre o direito a ser protegido, donde se pode concluir que estão abrangidos neste conceito a vida, a integridade e a honra.

Logo, se o direito do meu cliente – honra, foi violado e ele se utilizou dos meios de que dispunha para repelir imediatamente a agressão conclui-se que agiu em legítima defesa, devendo ser absolvido como o foi, portanto.

Feitas estas considerações concluo ser possível a invocação da legítima defesa nos delitos cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, abrangidos pela Lei Maria da Penha.

Tal conclusão vai ao encontro do que é ensinado pelo ilustre Guilherme Nucci para quem “… não deve existir qualquer tipo de presunção para a análise equilibrada e justa de uma situação de conflito entre pessoas, com resultado danoso para um ou mais dos envolvidos[4]”.

Referido autor fez esta reflexão para explicar que sempre temos a tendência de considerar vítima aquele que foi o mais prejudicado no embate, vindo a falecer ou tendo a integridade física maculada.

Por fim vamos abordar a questão da suposta ameaça.

Ao prestar declarações a vítima informou que após sofrer a agressão se dirigiu para casa, ao passo que os ânimos de certa forma voltaram ao normal. Passados alguns dias resolveu ir à delegacia para dar a notitia criminis, ocasião em que voltou a discutir asperamente com o agressor, xingando-o e sendo xingada, ameaçando-o e sendo ameaçada.

Outro ponto importante refere-se ao fato de a vítima ter sido ameaçada e retornado para casa em vez de se deslocar a outro local, posto que tinha condições financeiras para tanto.

Ora, há inúmeros julgados no sentido de que a ameaça proferida no momento de uma discussão não se reveste do dolo necessário a fundamentar uma condenação; inexiste ameaça culposa.

Malgrado, no caso em tela a vítima ao que parece também não sentiu medo, posto que a ameaça não teve o condão de dissuadi-la de voluntariamente retornar para casa, mesmo tendo condições financeiras de ir a outro local ou mesmo para a casa de parentes, ainda que momentaneamente.

Feitas estas considerações pode-se concluir que sim, o instituto da legítima defesa pode ser invocado nos delitos cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.

Advocacia André Pereira

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